A Perda da Intimidade e a Solidão no Casamento

“Após algum tempo aprendemos a sutil diferença entre segurar uma mão e encarcerar uma alma e aprendemos que o amor não significa só deitar com alguém…”

Jorge Luis Borges

Existem inúmeras teorias de psicologia sobre formação do vínculo conjugal . Essas teorias tem base em conceitos da psicanálise, do psicodrama, da sistêmica, da cognitivo-comportamental e sobre diversas outras linhas de abordagem. Mas poucas são as que se referem à manutenção desse vínculo.

Sem entrarmos em detalhes sobre as possíveis e diversas causas de rompimento, acho importante ressaltar um processo que frequentemente leva a essa dissolução, que é a perda da intimidade conjugal. Nós vivemos diariamente numa cultura de guerra, que nos exige muitos esforços para manter tudo em ordem: os afazeres e organização da casa, as contas para pagar, a educação dos filhos, a pressão pelo bom desempenho profissional.. a necessidade de se ter um tempo reservado para oferecer a atenção que o parceiro merece.. uma boa relação sexual..  o contato com os familiares, ah! e sem esquecermos um mínimo de lazer e convívio social que também são indispensáveis para uma real qualidade de vida… .  Além disso, ainda convivemos nessa incessante busca ao lado de um grande número de pessoas que também se desgastam pelo mesmo motivo e sim, ainda acabam somando , a tudo isso, cobranças de todos os lados, e com uma certa dose de razão. Portanto, ao final do dia, em geral, não é apenas uma, mas duas pessoas que gasta parte do seu tempo assim chega em casa exaurida, sem muita vontade de se envolver em uma longa conversa com alguém , que por sua vez, também passou o dia do mesmo jeito. Assim, pouco tempo e vontade sobram para um tempo de qualidade com o cônjuge que passa a ser relegado, quase sempre a segundo plano, mesmo que a intenção seja a de sempre manter tudo em perfeito “funcionamento”. E então, quando sobre algum tempo e energia, os parceiros ainda se deparam com diversos assuntos rotineiros que necessitam de resolução imediata: a decisão sobre quando colocar a criança na escola, sobre a cor da tinta da parede da sala, sobre o restaurante que escolherão para comemorar o dia dos pais, sobre quem vai arcar com as despesas para a compra da nova geladeira, etc. E então essa rotina vai levando os parceiros, sem que perceberem, a um distanciamento gradativo e muitas vezes sem brigas, que  por isso mesmo acaba passando despercebido e acumulando… a cada dia. Chega um dia em que o parceiro sente vontade de dar um beijo ou de se aproximar do outro e a impressão que tem é de que já não sabe mais como fazê-lo. Sente uma sensação esquisita, mas não se percebe muito bem o que ocorreu e então continua no seu costumeiro corre – corre sem fim. Após alguns anos o casal só se encontra na cama uma vez a cada dez ou quinze dias, frequência que também começa a se tornar cada vez menor. Já não se sabe mais como dividir as alegrias  e as tristezas e um sentimento estranho de solidão vai tomando conta da pessoa, sem que se entenda por que, pois a verdade é que  há realmente muitas pessoas à sua volta, muitas coisas para fazer e além disso, um(a) parceiro(a)maravilhoso(a) que está disponível para qualquer emergência.

Um dia percebe-se que está diferente, seu físico mudou. Não é mais o mesmo. “Sinto falta dele, mesmo estando a seu lado”, como diria o poeta. Com muita sorte o casal procura uma terapia de casal quando somente a dois não conseguem mais lidar com a situação. Parece que são estranhos. Qualquer terapeuta um pouco mais experiente reconhece o casal que chega meio sem jeito por “não ter de fato um grave problema”, dizendo que não sabem bem o que aconteceu, mas que mesmo assim sentem como se estivesse “faltando alguma coisa” na relação. Os sintomas da perda progressiva da intimidade são bem conhecidos : a redução da capacidade de trocas em todos os níveis: intelectual, psicológico, sexual e afetivo , pois a intimidade tem como características mais comuns a solidariedade, a comunhão e o respeito às diferenças. O problema é comum mas não é de tão fácil solução. O caminho é lento e a pergunta que fica é: “foi o vínculo que se rompeu ou foi a capacidade de empatia e afeto  que sumiu no meio da correria do dia-a-dia”? É possível resgatar essa capacidade? Isso depende muito de cada casal. Caso eles realmente valorizem o casamento e se a frustração ainda não os impediu de conseguir manter um mínimo de diálogo verdadeiro, em que um fala e o outro escuta procurando  e se esforçando para realmente compreender o que o outro diz que está sentindo, esse resgate é sim possível. Diversas técnicas e recursos terapêuticos podem auxiliar o casal a compreender melhor o problema que constituíram e a buscar formas apropriadas de reconstituírem o relacionamento e além disso, o tornarem mais fortalecido. A terapia auxilia essa vivência e possibilita ao casal a enxergar um ao outro como se realmente é, sem tantas projeções recíprocas , para que assim possam realmente começar a reconstruir o vínculo amoroso, um recontrato de casamento mais sólido, que será agora baseado em uma percepção mais realista e profunda das necessidades recíprocas recém-descobertas durante o processo terapêutico. Essa reconstrução da intimidade ocorre tanto pela escuta dos relatos como pela interpretação. O importante não é a técnica utilizada, mas a existência de um real e profundo desejo de reencontro no casal, o qual o terapeuta pode também ajudá-los a recuperar ou até a aflorar para que eles o reconheçam. O que conta no final é a ajuda que o terapeuta será capaz de prestar ao casal para descobrir sua resiliência afetiva: capacidade humana universal de superar os conflitos da vida e ser fortalecido por eles.

Duas importantes dicas para evitar o distanciamento entre o casal

Comunicação é essencial: não evite a famosa “D. R.” (Discussão de Relação), pois quando feita de forma aberta e sincera, favorece a interação entre os amantes e ajuda a manter a intimidade conferindo confiança , espaços de liberdade e respeito mútuo.

Reserve um tempo para namorar: a ideia é pelo menos uma vez por semana o casal passe um tempo de qualidade juntos, seja deitar na cama mais cedo para “falar sobre qualquer coisa”, ou assistir a um filme em um  no meio da semana, o importante é se afastar das obrigações e se manter realmente unidos por pelo menos algumas poucas horas. Vale também fazer , de vez em quando, algum programa romântico, como um jantar, um banho a luz de velas.. uma ida ao cinema ou uma viagem, mesmo que seja de apenas um final de semana, para uma praia próxima, mas algo que não seja tão habitual ( procure varias os programas e lugares sempre que possível).

E lembre-se de que a reconstrução da intimidade é possível quando um parceiro é capaz de se desarmar e sair de um movimento de guerra para outro de paz, apoiado no cuidado recíproco que os faça querer e poder ver um ao outro como pessoas iguais, ansiosas por satisfazerem as diferentes necessidades que no fundo são sempre iguais: de ser verdadeiramente amado, admirado, respeitado e cuidado pelo outro. 

Sobre a profissional
Cintia Fernandes | Terapeuta de Casais. Psicóloga especializada em Terapia de Casais. Atendimento presencial (consultório em Curitiba) ou online. Atendimento de Casais e de Adultos Individual. Parceria com Babá (caso necessário, possuo parceria com uma babá para cuidar dos seus filhos durante a sessão, e no mesmo local do atendimento - na recepção que fica dentro do consultório, com uma caixa de brinquedos). A recepção ficará trancada e a chave ficará apenas comigo, de forma que ninguém possa entrar ou sair, garantindo assim a segurança dos seus filhos e a sua tranquilidade). Graduação em Psicologia pela PUCPR - 2005. Formação em Terapia Sistêmica de Casais – Instituto de Terapia e Centro de Estudos da Família – INTERCEF. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia Cognitiva - NYC Institute for Schema Therapy. Curso de Terapia de Casais – Centro de Estudos Avançados de Psicologia – CEAP. Atendimento com abordagem multidisciplinar, incluindo as duas abordagens consideradas mais eficientes para a Terapia de Casais: a Cognitivo-comportamental e a Terapia do Esquema, incluindo alguns conceitos da Teoria do Apego, da Gestalt , da Psicologia Sistêmica e da Psicologia Analítica. Idealizadora e criadora do método "MASP Choices", que associa a renomada Metodologia de Análise e Solução de Problemas - MASP a diversas teorias de Psicologia e Comunicação, permitindo assim a aplicação desta metodologia na análise e resolução de conflitos dos relacionamentos amorosos, de forma simples, prática e eficiente. Criadora do Workshop Choices - Coaching para Casais (com base no método MASP-Choices, abordando as 15 áreas de conflitos mais comuns nos relacionamentos e as estratégias para amenizá-los). Palestrante. Fique à vontade para entrar em contato!
  1. Adrieny Reply

    Obrigada por esse artigo interessante.

    • admin Reply

      Obrigada! Fico feliz por saber que te ajudou de alguma forma Adrieny! 🙂

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